sábado, 18 de junho de 2011

Em torno da palavra falada





LEDA MARIA FLABOREA




“Porque não há coisa oculta que não haja de manifestar-se, nem escondida que não haja de saber-se e vir à luz. Vede, pois, como ouvis”. – Jesus ¹ (Lc, 8:17-18.)


Em todos os lugares surgem pessoas que abusam da palavra, porque, ainda, temos dificuldade em controlar nossa língua. A palavra tem força e uma vez tendo sido dita, não será possível apagá-la.


Entretanto, o falar não pode ser dissociado do ouvir. São duas faculdades que se completam, porque são interdependentes entre si. Se é importante o cuidado com o quê e como dizemos as coisas, também o é com o quê e como ouvimos aquilo que nos é dito. A palavra é forte fio condutor, tem força, e uma vez dita não poderemos mais conter-lhe o caminho, porque na outra ponta desse fio está o receptor, o ouvinte e, por isso mesmo, ela pode ser captada e espalhada como bálsamo ou veneno, paz ou discórdia, luz ou treva. Se de um lado temos quem fala, do outro surge quem escuta, ambos responsáveis por suas atitudes. Por isso disse Jesus que o homem fala do que está repleto o seu coração. E quem ouve também.


Quando atentos, observando as pessoas ao nosso redor, poderemos perceber que dentro do nosso lar, ou mesmo fora dele, escutamos os mais variados comentários acerca de tudo e de todos. São comuns as discussões sobre o que acontece com a Natureza, sobretudo em uma época em que estamos acordando para a necessidade de preservá-la; comentários sobre os atos, fatos e boatos em torno das autoridades constituídas; observações sobre a vida alheia – pública ou privada –, esquecendo-se de que a vida do outro, como a própria palavra diz, é do outro, e não nossa; escutamos opiniões diferentes, coerentes ou descabidas, sobre os mais diversos assuntos, sejam eles na esfera da ciência, da política, da filosofia, da arte ou da religião.


Todavia, podemos, ainda, observar que não é somente no campo intelectual que surgem descalabros, desequilíbrios, ao lado de colocações ponderadas e lúcidas. A própria sociedade é um verdadeiro campo de batalha nesse aspecto. De um lado, temos Espíritos nobres semeando bem e luz e, de outro, os semeadores da discórdia, da maledicência, da calúnia, perturbando a harmonia e o progresso de todos e de tudo.


O Apóstolo Paulo nos recorda, em sua carta a Tito, Capítulo 2, versículo 1, que devemos falar para o bem em atendimento à recomendação de Jesus, e para termos os ouvidos atentos àqueles que nos falam. Porque, muitas vezes, seremos chamados a falar nas mais diferentes situações: entre os bons, para falarmos do bem, do belo, do amor; entre os maus, tentados a caluniar, a julgar levianamente, destacando a maledicência como foco nas conversações. Assim, de desastre em desastre, vamos criando, em torno dos próprios passos, todas as desventuras que formos construindo no nosso caminhar, pois falamos hoje e pagamos a conta amanhã. Isso é da lei. Semeadura e colheita. Dependência perene... Resultado das nossas escolhas...


Mas, se já possuímos algum conhecimento evangélico e se não desconhecemos os valores do Espírito, precisamos ficar atentos para não usarmos o verbo, contrariamente, às orientações de Jesus. Falar o que o outro quer ouvir é fácil. Replicar-lhe o argumento, atendendo aos nossos interesses, também, não é difícil. Mas, ouvir-lhe com paciência e entendimento e falar-lhe com “a prudência amorosa e com a tolerância educativa, como convém à sã doutrina do Mestre, é tarefa complexa e enobrecedora, que requisita a ciência do bem no coração e o entendimento evangélico dos raciocínios”. ²


De tudo isso, podemos concluir que o problema não está no comentário em si – quem fala responderá pelas consequências que provocar –, mas na forma como o recebemos, tendo em vista que reagiremos a ele de acordo com nosso entendimento e sentimento. Por isso se faz tão importante compreender a nossa postura diante desse fato: Como estamos respondendo ao que ouvimos? Estaremos convertendo-o no bem ou no mal? Estamos espalhando, em consequência daquilo que escutamos, alegria ou sofrimento para aqueles que estão junto de nós? Ouvimos com malícia ou caridade?


A resposta honesta e transparente a essas questões é que nos dará a correta medida de como e o quanto estamos evoluindo, espiritual e moralmente, nesta nossa jornada planetária, no campo das relações interpessoais.


Emmanuel lembra que precisamos aprender “a lubrificar as engrenagens da audição com o óleo do amor puro, a fim de que nossa língua traduza o idioma da compreensão e da paciência, do otimismo e da caridade, porque nem sempre o nosso julgamento é o julgamento da Lei Divina e, conforme asseverou o Cristo de Deus, não há propósito oculto ou atividade transitoriamente escondida que não hajam de vir à luz”. ³


Porém, como não dá para fazer tudo de uma só vez, a proposta é a que, num primeiro momento, aprendamos a controlar a língua para, depois, modificarmos a recepção do que ouvirmos, em atendimento ao convite de Jesus: caridade no ouvir, caridade no falar.


Consoante a essa recomendação do Amado Mestre, Irmão X, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, narra uma pequena história com o título Os Três Crivos, que transcrevemos. Diz-nos ele:


Certa feita, um homem esbaforido achegou-se a Sócrates e sussurrou-lhe aos ouvidos:


– Escuta, na condição de teu amigo, tenho alguma coisa muito grave para dizer-te, em particular...


– Espera!... – juntou o sábio prudente. Já passaste o que vais me dizer pelos três crivos?


– Três crivos? – perguntou o visitante, espantado.


– Sim, meu caro amigo, três crivos. Observemos se tua confidência passou por eles. O primeiro é o crivo da verdade. Guardas absoluta certeza, quanto aquilo que pretendes comunicar?


– Bem – ponderou o interlocutor –, assegurar mesmo, não posso... Mas ouvi dizer e... então...


– Exato. Decerto peneiraste o assunto pelo segundo crivo, o da bondade. Ainda que não seja real o que julgas saber, será pelo menos bom o que me queres contar?


– Hesitando, o homem replicou:


– Isso não... Muito pelo contrário...


– Ah! – tornou o sábio – então recorramos ao terceiro crivo, o da utilidade, e notemos o proveito do que tanto te aflige.


– Útil?!... – aduziu o visitante ainda agitado – Útil não é...


– Bem – rematou o filósofo num sorriso –, se o que tens a confirmar não é verdadeiro, nem bom e nem útil, esqueçamos o problema e não te preocupes com ele, já que nada valem casos sem edificação para nós...


Aí está, meu amigo, a lição de Sócrates, em questão de maledicência...



Bibliografia:


1 – LUCAS, 8:17-18.


2 – EMMANUEL (Espírito). Vinha de Luz, [psicografado por] F. C. Xavier – 14ª ed. FEB – RIO DE JANEIRO/RJ - lição 16.


3 – Id. Palavras de Vida Eterna, [psicografado por] F.C. Xavier – 20ª ed., CEC Edições – UBERABA/MG - pg. 122.