quinta-feira, 22 de maio de 2014


O enigma do berço



Graziela, eficiente enfermeira encarregada do berçário, em grande hospital, procurou o chefe da pediatria.
- Doutor Plácido, trago-lhe uma charada. Venho notando que os bebês que ficam no último berço, no canto, choram menos, dormem melhor...
- Um cantinho mágico?- Pode parecer tolice, mas outras enfermeiras constataram o mesmo.- Não há nada que justifique tal diferença. Certamente trata-se de mera coincidência...
- O cúmulo da coincidência, pois muitos bebês já estiveram naquele berço e, invariavelmente, eram mais calmos.  
-Então há uma fada protetora que fica ali.- Ora, Doutor, falo sério!- Eu também. Talvez seja um berço milagroso, fabricado com madeira especial.
- Continua brincando, mas, por favor, pense no assunto.
- Tá bom, vou contratar um detetive! Embora aparentando não levá-la a sério, Plácido passou a observar o berço e constatou que Graziela tinha razão. Os bebês que ali ficavam eram sempre mais acomodados. Certamente existia uma causa. A “fada” bem poderia ser uma incidência luminosa adequada, um posicionamento favorável, ventilação melhor, colchão mais confortável, menos ruídos... Checou tudo. As condições eram absolutamente iguais em todos os berços. Pensou na alimentação. Negativo. Os bebês eram alimentados dentro de critérios e horários rigorosamente observados. E se houvesse diferença de tratamento? Alguma enfermeira mais eficiente, encarregada daquele berço? Também não. Todas revezavam-se no atendimento. Intrigado, o médico passou a visitar o berçário em diferentes horários e foi no período noturno que, finalmente, encontrou a desejada solução. Eram perto de vinte e duas horas. A enfermeira de plantão postava-se no corredor, enquanto a serviçal da limpeza passava o pano molhado no chão. Observou-a, discreto, sem que ela percebesse sua presença. Tratava-se de senhora idosa, de fartas gorduras. Certamente a tarefa impunha-lhe penosos sacrifícios, porquanto, chegando ao canto do berçário, postou-se diante do berço privilegiado e, enquanto descansava, dando tréguas ao corpo sofrido, conversava com seu ocupante:
- Vida dura, meu anjinho! Minhas costas doem como se tivessem recebido pauladas! Feliz é você que fica aí, tranqüilo como um príncipe, sem precisar trabalhar! É só “sombra e água fresca”, né? Gracinha!... Durante vários minutos ela falou com o bebê. Depois, suspirando, tornou ao serviço. Plácido sorria, entre perplexo e feliz. Finalmente resolvera o enigma. Encontrara a “fada"!
No dia seguinte as enfermeiras receberam importante orientação: deveriam conversar com os bebês enquanto cuidavam deles. E o “milagre” daquele berço estendeu-se por todo o berçário. Torturadores astutos sabem que o insulamento completo, sem nenhum contato humano, é a melhor forma de desequilibrar suas vítimas, predispondo-as ao colapso nervoso. Assim torna-se fácil arrancar-lhes as informações desejadas. Nesse particular o bebê não difere dos adultos. Ele também precisa de contato com as pessoas. É fundamental que se fale com ele, em inflexão de carinho e solicitude. Recusar-lhe semelhante benefício, por omissão ou indiferença, é submetê-lo à desajustante tortura do silêncio


Livro: Encontros e desencontros. Autor: Richard Simonetti