sexta-feira, 25 de março de 2011

Amanhece

 



  O despertador toca às seis horas, mesmo no domingo. E diariamente, abrindo a janela, assisto a um espetáculo que é de todos, mas poucos presenciam. Na rua, existe um silêncio que pertence àquela hora, tão presente que é possível ouvir o arrulho das pombas que ciscam no chão, os passos de quem caminha na outra calçada, o girar das rodas de uma bicicleta. Como não há galos nas redondezas, em volta do prédio, atravessando grandes distâncias, ecoa o canto dos bem-te-vis.
  
O ar ainda guarda o frescor da madrugada e assim, parece límpido. 

O gato malhado aparece no extremo da rua, voltando de suas andanças noturnas para o repouso no telhado do vizinho. As mesmas pessoas fazem os mesmos trajetos, comprovando o nascer de mais um dia.
  
Mulheres de todas as idades dirigem-se à padaria e logo retornam, com os pães que servirão no café da família. Dois aposentados conversam animadamente a caminho da banca de jornais, um grupo de operários segue junto para o trabalho, um escolar e sua mãe passam apressados e uma moça leva o cão para aliviar a bexiga e fazer os primeiros exercícios, de uma esquina a outra.
  
O jornaleiro chega pedalando e lança o jornal por cima do muro alto. Quando este toca o chão, faz um som abafado e, quase sempre nesse momento, o primeiro raio de sol desponta entre as nuvens. A partir daí, parece que a engrenagem da rotina diária toma impulso e começa a girar.
  
Sete horas. Surgem os primeiros carros, peruas escolares, motos, enchendo o quarteirão de barulho e pressa. O gato já se lambeu demoradamente e dorme um sono profundo, encaixado no côncavo da telha. As pombas deixam o solo e vão para os galhos das árvores. O ar agora cheira a sabonete e café.
  
O sol brilha em sua plenitude, elevando a temperatura. Homens e mulheres tiram os carros das garagens, a caminho dos escritórios. Uma pessoa usa o orelhão, outra varre a calçada.
  
Aos poucos, vamos mergulhando nas tarefas, domésticas ou não, numa sequencia exigente de atividades. Máquinas de lavar entram em funcionamento, a louça é limpa, alguém liga o aspirador ou o secador de cabelos. O vendedor de gás toca todas as campainhas e arruma com estrondo os botijões no caminhão, indicando que já não há volta.
  
Vamos esquecendo da quietude que nos foi entregue de presente, logo cedo, junto com a calma e a sensação de estarmos em perfeita comunhão com a natureza. Vamos deixando de olhar quem passa, os animais, as árvores, o desenho das nuvens. Paramos de meditar para apenas pensar.
  
Por sorte, depois da noite virá outra madrugada, às seis horas tocará o despertador e o mesmo cenário estará lá, enquadrado na janela, à nossa espera e parecendo dizer: repare, mesmo que por instantes, como a vida é bela!


Madô Martins

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